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Capítulo 1: Madil, a menina que sobreviveu

Atualizado: 2 de mai. de 2023






A Sra. Silva, da rua 13 na favela da Candelária no Rio de Janeiro, estava orgulhosa de ter criado sua filha sozinha. A Sra. Silva trabalhava como empregada doméstica para a rica família Dubois em Copacabana. Ela fazia a limpeza, cozinhava e cuidava dos filhos dos Dubois. Ela era uma mulher alta e magra, com um rosto severo mas gentil. Embora tivesse cabelos volumosos, ela sempre os cobria com um xale colorido. Sua filha Madil era uma menina mestiça de cabelos cacheados e olhos verdes, que era duas vezes mais inteligente do que outras crianças normais. Isso era muito útil porque ela passava a maior parte do dia sozinha, andando pelas ruas depois da escola, espionando os vizinhos e pulando de um telhado para outro.



Os Souzas moravam em Belo Horizonte e tinham um filho pequeno chamado Pedro. Para os Souzas, não havia menino melhor em qualquer lugar do mundo. Eles levavam uma vida perfeitamente normal e eram as últimas pessoas do mundo que se envolveriam em algo estranho ou misterioso, porque simplesmente não concordavam com esse tipo de bobagem. Embora tivessem tudo o que queriam, eles também tinham um segredo, e seu maior medo era que alguém descobrisse sobre seu relacionamento com a Sra. Silva e sua filha. A Sra. Souza era meia-irmã da Sra. Silva, mas elas não se falavam há muitos anos. Na verdade, a Sra. Souza fingia não ter uma irmã porque a Sra. Silva e seu inútil ex-marido não eram nada parecidos com os Souzas. Eles tremiam com o pensamento do que os vizinhos diriam. Os Souzas sabiam que a Sra. Silva também tinha uma filhinha, mas nunca a tinham visto. A menina era apenas mais uma razão para manter os Souzas distantes; e


les não queriam que seu precioso filho se misturasse com uma criança assim.

Quando o Sr. e a Sra. Souza acordaram na terça-feira monótona e ensolarada de 31 de março de 1964, em que nossa história começa, não havia nada no céu azul lá fora sugerindo as coisas estranhas e misteriosas que em breve estariam acontecendo em todo o país. O Sr. Souza cantarolou enquanto tomava seu café preto insípido com pão francês, um café da manhã sem graça, e a Sra. Souza conversava animadamente enquanto lutava para fazer Pedro comer algo antes de ir para a escola.

Nenhum deles notou uma arara azul que voou pela janela batendo as asas. Às oito e meia, o Sr. Souza pegou sua mochila, deu um beijo na bochecha da Sra. Souza, cantou suas chaves carteira crachá juntos, e tentou dar um beijo de despedida em Pedro, mas não conseguiu porque ele estava se recusando a comer seu café da manhã.

Bonitinho", disse o Sr. Souza, rindo constrangido enquanto saía da casa. Ele entrou no elevador que ia direto para o saguão e apertou o botão da garagem. No estacionamento do edifício Boulevard na Praça da Liberdade, número quatro.


Foi na própria praça que ele percebeu a primeira pista de que algo estranho estava acontecendo: um cachorro de cor caramelo estava lendo o jornal local. Por um momento, o Sr. Souza não percebeu o que tinha visto - então rapidamente virou a cabeça para dar uma segunda olhada. Havia um cachorro de cor caramelo sentado na Praça da Liberdade, mas não havia jornal à vista. Deve ter sido uma ilusão de ótica. Ele piscou e arregalou os olhos para o cachorro. O cachorro olhou de volta e latiu. Ao virar a esquina e dirigir pela rua, ele olhou para o cachorro no retrovisor. Agora estava lendo o letreiro do Museu de Minas e Metais - não, estava olhando para o letreiro: cachorros não podiam ler jornais ou letreiros. O Sr. Souza balançou a cabeça e empurrou o cachorro para fora de sua mente. Durante o resto da viagem para o trabalho, ele não pensou em nada além do grande objetivo do dia.

Mas, ao sair da cidade, os objetivos foram varridos de sua mente por outra coisa. Enquanto estava preso no engarrafamento matinal habitual na Avenida Amazonas, ele não pôde deixar de notar que havia um grupo estranhamente vestido de pessoas andando pelas ruas em roupas militares, mas não roupas militares normais, pessoas com capas largas. O Sr. Souza não tolerava pessoas que se vestiam ridiculamente, mas amava o militarismo e ver essa combinação o perturbou profundamente. O trânsito avançou e alguns minutos depois o Sr. Souza chegou ao estacionamento de sua empresa, seus pensamentos voltando aos objetivos. Ele havia esquecido completamente as pessoas de capas militares durante toda a manhã até que passou por um grupo delas no corredor de sua empresa. Ele olhou para eles curiosamente enquanto passava. Ele não sabia por quê, mas eles o deixaram com medo. Foi enquanto passava por eles a caminho de volta, carregando uma grande pilha de papel para seu escritório, que ele ouviu algumas palavras do que estavam dizendo.

  • ... em Brasília, é verdade, foi o que ouvi ... ... sim, o Ministério da Magia, CasteloBruxo ...

Sr. Souza parou subitamente. O medo o invadiu.


Ele estava abalado. Correu para o carro e dirigiu-se para casa, esperando que estivesse imaginando coisas, o que nunca tinha esperado antes. Quando entrou no estacionamento da Praça da Liberdade, a primeira coisa que viu - e isso não melhorou seu estado de espírito - foi o cachorro de cor caramelo que ele tinha notado naquela manhã. Agora estava sentado no jardim. Ele tinha certeza de que era o mesmo, com as marcas em volta do pescoço como um colar.

"Saia daqui, cachorro vira-lata", disse em voz alta.

Ao chegar em seu apartamento, sua esposa Ana o cumprimentou na porta.

"Bem-vindo ao lar, querido. Tenho algumas notícias para te contar", disse Ana com um olhar preocupado.

"O que está acontecendo?", perguntou o Sr. Souza, sentindo a preocupação em sua voz.

"Eles tomaram prédios governamentais chave e prenderam figuras políticas", explicou Ana.

A expressão do Sr. Souza escureceu imediatamente. "Eu temia que isso acontecesse", murmurou. "Os militares ou eles?".

"Os militares, mas eles afirmam que estão agindo para restaurar a ordem e defender a democracia", respondeu Ana, tentando ver o lado positivo da situação.

"Ana, você sabe tão bem quanto eu que as ações dos militares são uma ameaça à democracia. Eles poderiam começar a perseguir 'eles'", sua voz firme.

Mas nós não somos como 'eles' protestou Ana.

"Eu sei disso, mas seu cunhado era um deles. Se descobrirem sobre ele, poderiam usar isso contra nós", explicou o Sr. Souza.

O rosto de Ana ficou pálido. "Você está certo".

O Sr. Souza concordou com a cabeça. "Precisamos ter cuidado e manter um perfil baixo. Este é um momento perigoso para todos, especialmente para aqueles que são diferentes."

Como ela esperava, a Sra. Souza parecia chocada e irritada. Afinal, eles costumavam fingir que ela não tinha uma irmã.

"Não", respondeu bruscamente.

"Bem, eu pensei que talvez tivesse algo a ver com... sabe... o povo dela", acrescentou.

"A filha deles teria a idade do Pedro agora, não é mesmo?" ele completou.

"Suponho que sim", disse a Sra. Souza rigidamente.

Ela não disse mais uma palavra sobre o assunto no caminho para a cozinha. Enquanto a Sra. Souza lavava a louça, o Sr. Souza se aproximou da janela e olhou para a praça. O cachorro ainda estava lá, encarando-o como se estivesse esperando por seu dono.

Os Souzas foram dormir, tentando se tranquilizar. Ele sussurrou suavemente: "não podemos nos envolver com nada que esteja acontecendo, querida. Isso não nos afetará...". Como ele estava errado.


O Sr. Souza talvez tenha conseguido dormir, mas o cachorro de caramelo na praça não estava cansado, com os olhos fixos no apartamento da esquina. Na verdade, era quase meia-noite quando o cachorro se levantou e se moveu. Uma mulher apareceu na esquina que o cachorro estava observando. Ela apareceu tão repentina e silenciosamente que alguém poderia pensar que ela havia condensado da umidade no ar. O cachorro se mexeu ligeiramente e latiu uma vez com os olhos fixos nela. Ninguém nunca tinha visto nada parecido com aquela mulher na praça da liberdade. Ela era baixa, gordinha e muito velha, julgando pela prata de seus cabelos encaracolados em forma de cogumelo, amarrados com um lenço dourado. Ela usava longas túnicas, uma capa amarela que arrastava no chão e botas com saltos altos e fivelas de couro. Seus olhos dourados eram claros, brilhantes e cintilantes por trás de seus óculos redondos e seu nariz parecia um croquete. Seu nome era Benedita Dourado e ela não parecia estar ciente de que tinha acabado em uma rua onde tudo, desde seu nome até suas botas, era considerado estranho. Ela estava procurando por algo e de repente, seu fiel amigo veio correndo em sua direção. Por alguma razão, a visão do cachorro parecia divertir ela.

Ela riu e murmurou: "Aqui está você."

O cachorro pulou em sua direção, revelando sua verdadeira forma. "Boa noite, Curupira. Obrigado por observar este apartamento o dia todo. Como você está se sentindo, meu querido amigo?"

Curupira, uma criatura mística muito inteligente que, em sua forma original, parecia um menino ruivo com os pés virados para trás, respondeu: "Um pouco cansado, professora. Eu comeria um pão de queijo." A professora riu e fez um pão de queijo aparecer na frente dela como recompensa por um trabalho bem feito.

"Professora, por que você me pediu para observar esta casa o dia todo? Eles não parecem estar em perigo. É uma família completamente 'trouxa'," disse Curupira.

"O que estão dizendo é que, naquela manhã, Malvina apareceu em Brasília acompanhada pelos generais Humberto de Alencar Castelo Branco, Artur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici e depuseram o presidente eleito João Goulart. Mas não apenas isso, o rumor é que os pais de uma pequena bruxa também foram assassinados pessoalmente por Malvina em Copacabana, deixando nossa pequena bruxa órfã e nesta casa vive sua única família. Mas não se preocupe, meu amigo", disse a professora Dourado firmemente. "Suas tias e tios serão capazes de explicar tudo para ela quando ela for mais velha."

Curupira já não estava prestando atenção; ele estava comendo seu pão de queijo e pediu permissão para voltar para a floresta. A professora confirmou com um sorriso e observou Curupira se transformar em uma arara-azul e desaparecer no ar. De repente, todas as luzes da praça se apagaram, deixando tudo na completa escuridão. Aos poucos, um forte vento começou a soprar, sacudindo as árvores e fazendo alguns objetos voarem pelo ar. Um redemoinho começou a se formar bem no centro da praça, girando cada vez mais rápido. Era um redemoinho como ninguém jamais tinha visto. Parecia ter vida própria, e em seu centro havia uma figura pequena e ágil com um gorro vermelho na cabeça e uma perna só. Era o Saci, que carregava a pequena Madil em seus braços. Enquanto o redemoinho girava, Saci pulava de um lado para o outro, parecendo estar gostando da situação. Madil, por outro lado, dormia, agarrada ao pescoço. Aos poucos, o vento acalmou, e o redemoinho dissipou-se. As luzes da praça voltaram a iluminar a cena. O Saci desapareceu num piscar de olhos, deixando Madil no chão, a salvo. Dourado pegou Madil em seus braços e se dirigiu à casa dos Souza. Ela curvou a cabeça para Madil e deu-lhe um beijo na testa. Então, sem aviso prévio, ela aparou dentro do apartamento dos Souza e colocou Madil confortavelmente no sofá com uma carta para os Souzas.

  • "Boa sorte, Madil", murmurou ela. Ela girou nos calcanhares e, com um movimento de sua capa, desapareceu.



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